bem. Vou falar com o Nicolau para ver se ele sabe da tua kika. – Disse a avó tentando alegrar Mafalda.
- E quando é que vais falar com Nicolau? – Disse Nicolau Jr.com alguma esperança.
- Acho que vou falar de imediato – Disse a avó, tentando animar Mafalda e Nicolau Jr..
- Estou sim, Nicolau?! Surgiu um problema e gostava de saber se podias ajudar-me? – Disse a avó sorrindo, ao telefone.
- Claro, minha velha amiga! Podes contar sempre comigo. Então diz lá o que precisas? – Respondeu Nicolau franzindo a testa de curiosidade do outro lado da linha.
- A Mafalda perdeu a sua ursinha, a Kika, lembras-te? Aquele peluche que lhe deram que era da tua fábrica de brinquedos. Por acaso viste a ursinha? – Perguntou a avozinha esperançada que o seu velho amigo a ajudasse.
- Peço desculpa, mas ela não está na fábrica, e também não a vi por aqui. Mas acho que podemos ir procurá-la com a ajuda do meu trenó.
- Excelente ideia! – Exclamou Nicolau Jr..
- Então vamos! Não há tempo a perder. Temos um dia inteiro pela frente. – Rematou Nicolau Jr., fazendo um sorriso a Mafalda e piscando o olho à avó.
Nicolau usou os dons do seu trenó mágico e, num estalar de dedos, estava junto dos seus amigos. Todos entraram animados para dentro do misterioso transporte, todos desejaram nunca o ter feito dez minutos depois de percorrer o céu aos zig-zags, de furar as nuvens e ver o Mundo ao contrário. Quando Nicolau se lembrou que andar de trenó pela primeira vez é uma tarefa que nem Hércules desejaria empreender, já era tarde. Já todos se contorciam agoniados no lugar traseiro do veículo. Abrandou e, finalmente, todos suspiraram de alívio.
- Estou a ficar seriamente aborrecida, o dia já caiu e a kika continua desaparecida. – Disse Mafalda a chorar, desesperada.
- Por favor, minha querida, não fiques assim. Custa-me muito ver uma amiga do meu neto triste – Disse a avó com uma lágrima a querer sair pelo canto do olho.
- Nicolau Jr., Mafalda! Vamos para casa. Amanhã continuamos a procurar, e tenho a certeza que vamos encontrar a kika – Afirmou a avó não querendo mostrar a sua incerteza.
- Sim, a vossa avó tem razão, vão descansar e amanhã continuamos as buscas. – Disse o Pai Natal Nicolau, com um sorriso que faria qualquer criança brilhar de esperança.
- Ah! Não acredito, o kiko encontrou a kika. – Disse Mafalda gritando de alegria, correndo logo a contar a Nicolau Jr..
– Nicolauuu! Acorda depressa, o kiko encontrou a kika.
- Bom dia! A sério?! Que maravilha! Óptima notícia para começar o dia. Mas onde está ele? – Perguntou Nicolau sorrindo.
- Está ali em baixo, não vês? – Perguntou Mafalda.
- Vamos ter com eles e perguntar ao kiko onde encontrou a ursinha. – Sugeriu Nicolau correndo pelas escadas fora.
- kiko, onde encontraste a kika?! – Perguntou Mafalda levantando o sobrolho.
- Mi ter encontrado kika ne parque de crianças – Disse kiko tentando falar português correcto.
- Kiko, kiko…! O teu português está cada vez pior, mas muito obrigado por tudo. – Disse Mafalda verdadeiramente grata.
Passado um mês, o Natal estava a aproximar-se.
- Mafalda! Vamos comer os bolinhos da minha avó? – Disse Nicolau Jr..
- Sim, vamos já! Já estou com “água na boca” – Disse Mafalda lambendo os lábios.
- Meninos, que querem da cozinha!? – Perguntou a avó.
- “Queremos Bolinhos!” – disseram Mafalda e Nicolau Jr. em coro.
- Agora não! Vão ter de esperar pelo Natal, falta pouco tempo e tenho que ajudar Nicolau nesta época de grande azáfama. – Disse a avozinha – Vou ligar ao Nicolau para saber quantos quilos de bolo ele precisa, embora esteja muito gordo, e saber se precisa de nós na Fábrica de Brinquedos.
- Está bem, avó! Se ele precisar de nós, diz-lhe que estamos disponíveis. – Disse Nicolau Jr..
- Estou sim?! Nicolau, liguei para saber quantos quilos de bolo vais querer para as festas de Natal do Mundo inteiro? – Perguntou a avó ao telefone.
- O Nicolau não vai querer nada! Eu quero é 50 000 euros e, em troca, devolvo-lhe o Pai natal – disse alguém do outro lado da linha, presumindo a pobre senhora ser um raptor.
- Oh, meu Deus! E agora? – Perguntou a avó desesperada. – Como ajudamos o Nicolau? O que será do Natal sem Pai Natal? O Mundo inteiro sem prendas debaixo das árvores, sem recordações nas meias penduradas à lareira, as crianças sem resposta às suas cartas, … Quando contou a Nico e a Mafalda, estes deixaram cair das mãos os biscoitos que tinham roubado na cozinha.
No dia seguinte, Nicolau acordou com o barulho de alguém a bater com mão pesada na porta do seu quarto. Era um barulho ensurdecedor e que não passava despercebido a ninguém que ali morava. Com um pouco de receio, Nicolau dirigiu-se lentamente à porta para ver o que se passava, para descobrir o motivo de tal berraria. Ele abriu a porta e, num ápice, aparece Mafalda, incrédula ainda com a situação que se tinha passado. Ela estava muito apreensiva e exaltada, pois a sua noite de fadas tinha-se tornado num pesadelo horrível.
- O que se passa contigo?!!! – Exclamou Nicolau muito assustado com Mimi.
- Nem imaginas o que me aconteceu esta noite!!! – Respondeu Mafalda muito nervosa.
- Então desembucha lá. – Disse Nicolau com um tom um pouco mais descontraído, depois de saber que o alarido era só e simplesmente a sua vizinha Mafalda afogueada por uma razão que estava prestes a conhecer.
- Isto é um assunto sério Nicolau!!! Quando acordei durante a noite para ir à casa de banho, reparei que a minha ursinha Kika não estava lá e não faço a mínima ideia de quem teve a ideia de fazer tamanha barbaridade a uma pobre e inocente ursinha como ela... além disso, a minha porta do quarto fica sempre fechada à chave, pois eu sinto-me segura com o meu Kiko. Preciso mesmo da tua ajuda Nicolau... sem ti não sei como hei-de começar a procurar a Kika!!! – Disse Mafalda muito zangada, começando depois a chorar ao olhar aquele rato com uma saia cor-de-rosa que Nicolau lhe tinha oferecido, numa tentativa de a agradar, quando ela se mudou para a sua rua.
- Bem, isto é mesmo muito mais sério do que eu pensava. – Lamentou-se Nicolau, sentindo pena da pobre Mimi e por tudo o que ela estava a passar naquele momento.
– Acho que podemos tentar falar com a minha avózinha para ver se ela consegue contactar o Nicolau, mas penso que não vai valer muito a pena, pois ele não sabe onde se escondeu a tua ursinha.
- Eu acho uma boa ideia, talvez o Nicolau saiba como possamos encontrar a Kika, já que ela foi feita na Fábrica de Brinquedos dele. – Afirmou Mafalda, agora um pouco mais animada por ter ao seu lado um companheiro precioso que a ajudaria a encontrar a sua Kika.
Dito isto, desceram prontamente as escadas e, correram até à cozinha, onde se já sentia o cheiro de mais um dos muitos cozinhados deliciosos da avó, que faziam “crescer água na boca”.
- Oh meus queridos meninos! Quase me matam do coração! – Disse a avó muito assustada com o barulho que Mafalda e Nicolau fizeram ao descer as escadas.
– Se quiserem um biscoito não é necessário fazer esta barulheira que acabaram de fazer... ainda podiam ter caído das escadas e depois sim, iríamos ter sérios e graves problemas.
- Nós sabemos avó... – Disse Nicolau já um pouco enfadado das conversas que a avó tinha com ele para lhe explicar o que ele devia ou não fazer, pensava que já não era uma criança e estava farto dos sermões da avó. Queria ser livre e ter a sua própria autonomia... queria crescer e queria ser independente, queria tudo muito depressa, como é próprio da inocência das crianças.
– ... mas eu não vinha por causa dos teus biscoitos maravilhosos e saborosos. A ursinha da Mafalda desapareceu e nós vamos tentar falar com o Nicolau para ver se ele tem alguma pista sobre o paradeiro da Kika.
Esperançado, Nicolau estava à espera de uma resposta da avó, que parecia um pouco apreensiva e nervosa.
- O que se passa avó??? – Disse Nicolau um pouco desconfiado da sua atitude, coisa que não era normal na sua personalidade.
- Bem, receio que o Nicolau não te possa ajudar na tarefa de que pretendes encarregá-lo. – Respondeu a avó com uma voz triste e profunda.
- Por que não? – Perguntou Mafalda muito admirada com a resposta da avó de Nicolau. Ela sabia que Nicolau tinha sido sempre um amigo presente e que nunca a ia deixar sem auxílio num momento tão difícil. Mafalda era uma pequena criança enfeitiçada pelos seus peluches e encantada pela sua companhia, estivesse ela no meio de uma tempestade ou a saborear a bonança, fosse ela princesa numa história de encantar ou uma guerreira a combater o ser mais poderoso e maléfico do Universo.
Nicolau estava muito impressionado e corava de felicidade. Estar naquela fábrica gigante, cheia de brinquedos, era tudo o que uma criança desejava. Ainda não tinham iniciado o tal processo de colonização, ainda nenhum dos dois percebera muito bem o que o Pai Natal queria dizer com aquela história de “dar vida aos peluches e robôs”, quando …
- Nicolau! – Exclamou a avozinha. Nicolau não estava ali.
A avó procurou-o durante horas a fio, entre estantes e caixotes, roldanas dentadas em tapetes rolantes, vasilhas e armários, nos corredores imensos, nas salas com porta, sem porta, cheias, vazias, limpas, sujas … não havia sinais de Nicolau.
O Pai Natal e Mafalda estavam entretidos a fazer espectaculares corridas com carrinhos de controlo remoto e a avó, já desesperada, resolveu contar-lhes que Nicolau estava desaparecido e pedir ajuda para o encontrar.
O que se passa? – Perguntaram quando a viram com as rugas da testa mais vincadas do que costume.
- O Nicolau desapareceu. Estou há horas à procura, mas …
Nesse preciso instante, os alarmes foram disparados e as portas da fábrica fechadas para que Nicolau não saísse do seu interior. Lágrimas de aflição escorriam na cara da avó e contrastavam com o sol que entrava pelas velhas janelas, cheias de pó, da centenária fábrica de brinquedos.
Quando os três já tinham perdido a esperança e a avó olhava o relógio fazendo contas por alto, Nicolau saiu, sorridente e distraído, debaixo de uma mesa, com um pequeno carro amarelo-torrado, com nitro, néon e todos os acessórios possíveis de imaginar.
- Nicolau!! – Gritaram em coro, ainda incrédulos com a situação.
- Olá! – Respondeu muito calmamente, mas estranhando as feições da avó, que tão bem conhecia e tanto respeitava.
- Avó, descascaste cebolas? – Perguntou de sobrolho franzido, como quem pressente que algo que lhe está a escapar, mas cuja inocência de criança não deixa descortinar.
A avó pensou que a estava a gozar, por isso, dirigiu-se a ele cheia de ganas e pregou-lhe uma estalada, misto de raiva e de alívio. Nicolau só pensava que há dias em que não nos devíamos levantar da cama, há dias em que passamos o tempo a levar deste e daquele, por esta e por aquela razão.
- Pregaste-nos um grande susto! – Disse a avó ainda em estado de choque.
Nicolau, Mafalda e Nicolau Jr. mantinham-se com um ar bastante apreensivo e ficaram em silêncio alguns segundos, até Nicolau olhar para o relógio e exclamar: - Já é tão tarde!
- Pois é. – Concordou Mafalda.
Faltava uma hora e meia para a fábrica fechar e Nicolau lembrou-se que Mafalda ainda não tinha nenhum brinquedo novo, lapso grave no seu protocolo de Deus-dos-brinquedos. Foi direito à secção de “Dar Vida aos Peluches” e achou engraçada uma ursinha de olhar lânguido e posse dramática e achou que Mafalda iria adorá-la.
Esteve quase uma hora a transformar a ursinha num peluche apaixonante, queria que ficasse um espanto.
Sentada num cavalinho de baloiço, entre Nicolau Jr. e a avozinha, Mafalda aguardava ansiosa, mas pacientemente, a chegada de Nicolau e imaginava o seu presente enorme, num belo papel de embrulho e um estupendo laço cor-de-rosa em toda a sua volta.
Quando finalmente chegou, vinha com um sorriso desdentado, exibindo orgulhosamente a sua majestosa barriga e com um embrulho entre mãos, que estendeu a Mafalda de olhar surpreso, aquele que fazemos sempre que a felicidade é grande de mais para caber num sorriso.
Abriu. Era uma ursinha fofa, com um lacinho cor-de-rosa e olhos verdes. Mafalda, que raramente expressava qualquer tipo de sentimento positivo, esbanjou gargalhadas de espanto e admiração. Achava-a parecida com o seu Kiko que ficara em casa de vigia.
- Gostaste? – Perguntou-lhe, animado pela alegria de oferecer a quem quer receber.
- Adorei!! E acho que já sei que nome lhe vou dar! – Levantou-se tomada pelo ânimo e determinação.
- Qual? – Perguntou o Pai Natal curioso.
- Kika! – Respondeu decidida.
A fábrica fechou e eles saíram. Estavam exaustos e cheios de sono.
Mal a Mafalda chegou a casa, correu a apresentar a Kika ao seu Kiko. Não se falaram, mas o Kiko lançou-lhe um olhar embeiçado, o que não era de estranhar, pois apesar de ainda não ter ficado evidente nesta narrativa, Kiko é um pinga-amor de primeira categoria. Mafalda lavou os dentes, e foi deitar-se abraçada aos seus dois ursos. Nessa noite o pó e a sujidade não pareciam afectá-la. Um brinquedo novo é tudo para uma criança.
Aconteceu o mesmo com Nicolau. Lavou os dentes, pegou no seu super mini-carro amarelo com nitro e néon e foi dormir, sem necessidade de sonhar aventuras por já as ter vivido acordado.
-Hmm… nem pensar! - Respondeu, embaraçado – Na verdade, ia oferecer-to. Achei que esse teu… Kiko – Disse, afastando-se instintivamente para trás, tendo o cuidado de verificar se não tinha qualquer outro pelotão de peluches que o pudessem atacar e arrancar-lhe uma perna à dentada. – Pensei que o teu urso já estivesse demasiado…sujo e gasto, pelo menos para uma rapariga como tu.
Mafalda deu dois passos em frente e pregou-lhe uma estalada no rosto.
-Olha para ele! – Disse Mimi, praticamente aos berros. – Olha para o meu Kiko! – Voltou a gritar, obrigando-o (o mais solenemente possível no momento) a obedecer às suas ordens.
-O que é que tem? – Protestou o rapaz, ainda com a mão na cara.
-Achas que eu trocava um brinquedo que fala, anda, faz tudo, sem exageros da minha parte, por um rato aborrecido com uma saia cor-de-rosa?! Achas mesmo?
-Acho… mas tu ainda há pouco me disseste que bastava um “Abracadabra” para que tudo o que quisesses se realizasse mais rápido do que a própria luz! Podias dar-lhe vida e fazer com que ele fosse tão hábil como o Kiko...
Foi nessa altura que Kiko não se conteve e voltou à carga, saltando-lhe de novo para cima.
-Ninguém é mais bom fofo q’eu! – Dizia, utilizando esta sentença como grito de guerra temporário. O pequeno urso tinha alguns problemas no seu português, o que às vezes se tornava embaraçoso, especialmente quando Mimi (muito ocasionalmente) gozava com os seus erros gramaticais.
-Oh, Kiko, deixa a pobre criança em paz! – Disse alguém. Alguém, cuja voz, Nicolau, por mais estranho que lhe parecesse na altura, conhecia muito bem.
-Avó? – Tentou perceber, fazendo um esforço para conseguir ver para além do focinho do traste que se encontrava exactamente em cima da sua cabeça, de pernas para o ar e patas dianteiras quase que enfiadas nas suas narinas.
-Abracadabra! – Disse a velhinha, erguendo a sua varinha no ar, fazendo com que Kiko caísse no chão desamparado, tal e qual como uma barata de costas viradas para a terra.
-Umph… - Grunhiu o urso, aborrecido. – Mi estar quase a mandar Nicolau embora…
-Deixa-o estar, Kiko – Disse a avó. – Já nos vamos embora e, como castigo, ficas em casa. – Dito isto, a velhinha estalou os dedos e, não sabendo bem como, reapareceram num sítio totalmente desconhecido. Pelo menos a Nicolau.
-Sejam bem-vindos! – Disse um homem gordo, de grandes barbas brancas e um largo fato vermelho. Parecia simpático aos olhos de Nicolau.
-Estávamos à vossa espera há já uma longa hora… enfim, menina Mafalda, gostaríamos de iniciar o processo de colonização o mais rápido possível.
-Processo de colo… quê? – Exclamou o rapaz, ainda mais confuso que antes (se isso era sequer possível) – E já agora, o que raio é que tu fazes aqui, avozinha? E como é que viemos aqui parar? E-e quem é este senhor…? E…Mas…
-Nicolau! – Chamou a avó. – Estás a ser muito malcriado! E, por favor, não faças perguntas sob perguntas. Nós explicamos-te tudo quando chegarmos ao armazém.
-Mas qual armaz…?! - A avó olhou seriamente para ele, fazendo com que se calasse, abraçando-o de seguida.
-Vamos. Eu conduzo-vos até lá.
-E cá estamos nós. – Disse o homem que, estranhamente, lhe parecia sempre sorridente e feliz. Se calhar era porque a sua vida nunca fora aborrecida e monótona, como a de Nico. Se calhar era porque nunca tivera que brincar com soldadinhos de plástico e sentir-se completamente ridículo. Se calhar era porque tinha poderes especiais, como Mimi! É claro que não se admirava nada se fosse verdade… para ele, já era uma coisa banal, depois das vivências desta noite.
Era impressionante! Só agora é que reparara que estava no meio de uma verdadeira aventura, o que o deixava realmente entusiasmado. Sabia que isto era tudo o que sempre sonhara desde pequeno, embora só se tenha apercebido mais tarde.
-Querem comer alguma coisa? É que eu tenho um bocado de fome… - Disse o homem, passando as suas enormes mãos pela barriga que, como é de imaginar, ainda era maior que o resto do corpo.
-Pois é. Já consigo ouvir o teu estômago a pedinchar comida, Nicolau. – Verbalizou a avó.
-Mas eu não tenho fome! – Exclamou o pequeno rapaz – E, por acaso, não consigo ouvir nada que venha da minha barriga… - Disse, encolhendo-se entre os seus braços, tentando captar algum ruído fora do normal.
-Não és tu, Nico. – Disse Mafalda – A avozinha estava a falar com o Pai Natal, não era contigo. Só que acontece que têm o mesmo nome. Esquisito, não é?
-Podes crer. – Disse o Pai Natal, descontraído, deliciando-se com o banquete de doces que tinha à sua frente. – Yamy! – Dizia, enquanto lambia os dedos.
-Oh… Nicolau, precisas de uma dieta, e desta vez é a sério. – Queixou-se a avó, enquanto observava o Pai Natal a comer tão depressa que parecia que o mundo ia acabar já amanhã.
O homem fez uma pausa. – Hmm… fica para amanhã… ou para depois de amanhã, porque hoje chega aquele leitãozinho que tinha encomendado no Zé… - o “grande” Nicolau juntou as mãos gordurosas, como quem reza, fazendo olhar de cachorrinho abandonado directamente para a avó. – Por favor… eu prometo que, a partir de depois de amanhã, eu começo definitivamente a perder peso.
-Acho bem que sim. É que daqui a nada esse teu traseiro gigante deixa de caber no trenó.
E assim continuaram, discutindo acerca do traseiro do Pai Natal até às cinco da manhã. Nico estava surpreso, tirando o facto de o tema da conversa se basear no enorme traseiro do Pai Natal, Nico estava eternamente grato a Mimi, que participara activamente, opinando sobre tudo aquilo que era dito sobre … o assunto. A avozinha limitava-se a criticar cada banha sobressalente do Pai Natal e o próprio, dizia sentir-se bem, pois era assim que as crianças o achavam fofo e adorável, argumentando que um Pai Natal musculado e de abdominais definidos não convence a mais distraída das crianças. Fora uma noite e peras, diferente de todas as que já vivera.
Já eram três da tarde. Levantaram-se, vestiram-se e lavaram-se, sempre de sorriso rasgado, a preencher os rostos iluminados por um brilho, cuja origem Nico começava agora a descobrir.
Nico continuava perdido nos seus pensamentos. Tivera um pesadelo na noite anterior (e não, não envolvia o traseiro do Pai Natal…). Simplesmente decidiu mudar o rumo da sua mente por um pouco, pois não estava com muita disposição para visualizar tudo uma segunda vez.
-Este armazém é espectacular! - Disse Nico, com um leve brilho de fascínio no seu olhar.
Encontrava-se num sítio espectacular. Sentia-se quase como dentro de uma loja de brinquedos. De facto, estava lá. Na maior fábrica de brinquedos que alguma vez viria.
-Pronto. É ali ao fundo. Mimi, tu vens comigo e começas por dar vida aos peluches, passando pelos robôs, e assim por diante.
Nicolau era um rapaz travesso, muito dado a disparates e a patifarias. Sonhava com aventuras incríveis, em terras longínquas, que existiam apenas na cartografia dos seus sonhos de criança curiosa e corava de felicidade quando alguém lhe contava as histórias dos grandes heróis.
Imaginava-se em duelos e combates contra monstros terríveis que desenhara na memória, recolhia-se nos seus devaneios e aninhava-se no seu mundo imaginário, em guerras travadas com enormes dragões verdes, largando fogo pela boca, como nas histórias do avô, ou voando no dorso de dinossauros, com a sua espada de cristal como companhia, enunciando gritos de incentivo e ordens de comando, a que o seu exército de coelhos, ursos, zebras, cavalos, búfalos e outros animais que conhecia das ilustrações da sua enciclopédia, prontamente obedecia.
Sempre fora assim. De manhã, quando acordava com cheiro dos cozinhados da avó, Nicolau deixava-se ficar enrolado nos cobertores, ainda estremunhado, a tentar sair dos sonhos daquela noite, para entrar nos sonhos de um novo dia. Ali ficava à espera que a avó entreabrisse a porta, deixando entrar um feixe de luz e, ainda de olhos fechados, recebia um beijo de ternura, acompanhado de cacau quente e bolachas de manteiga.
Nicolau era um menino feliz. Nunca se sentira só na sua multidão de gente imaginária que o seguia para todo o lado como uma sombra.
No Verão, construíra, com a ajuda do avô, uma cabana no cimo de uma árvore, de todas as árvores a mais alta e frondosa, escolhida depois de muitos cálculos dignos de génio e muitas hesitações, como exige a perfeição. Nessa cabana, passava ele as tardes de Verão a trincar azedas, deitado no chão de pernas cruzadas, a saborear os seus sonhos de algodão doce, onde vencia batalhas cruéis e sangrentas e corria o mundo que só conhecia das histórias que o avô lhe lia.
No Inverno, via a neve cair em zig-zag através das janelas e desenhava as primeiras letras nos vidros embaciados, cantarolando canções que ouvia no velho rádio rouco de pilhas gastas, que a avó estimava desde que a conhecia, e sem a companhia do qual se recusava a trabalhar na cozinha.
Nessas tardes de frio, era mais difícil suportar a solidão. Sentia-se ridículo nos seus longos diálogos com os brinquedos que o avô lhe fazia. Sentia-se, pela primeira vez, a falar sozinho. O seu exército imaginário deixara de fazer sentido, a sua multidão de amigos já não lhe respondia aos apelos.
Nicolau começava a crescer. Queria partir agora para aventuras reais, com os pés bem assentes na terra, queria sentir dor, cansaço, queria suar, ter frio, passar fome, combater como os grandes heróis dos livros.
O avô insistia em ensiná-lo a construir brinquedos. Nicolau adorava o cheiro a tinta e a madeira tenra cortada. Passava horas com o avô no atelier, a pintar as caras rosadas das bonecas de vestidos de cetim que a avó costurava com requintes de alta-costura.
Enquanto decidia se oferecia uns olhos azuis, verdes ou castanhos a cada boneco, Nicolau perdia-se na rede retorcida dos seus pensamentos. De pincel suspenso no ar, cotovelo apoiado na mesa, pensava em todos aqueles a quem podia vir a ajudar, quem sabe oferecendo um daqueles brinquedos que o avô lhe ensinava a construir. Depois lembrava a alegria que sentira, durante todos os anos da sua infância feliz, quando o avô lhe trazia um colorido comboio novo, ou um mágico cavalo de madeira, um boneco articulado ou um baú de segredos. Queria explorar o mundo, queria explorar o seu coração, queria falar às multidões, queria coleccionar sorrisos e gargalhadas, queria contagiar o mundo com a sua felicidade.
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